Matéria Originalmente Publicada na Revista DBO
Uma verdadeira revolução está em curso na pecuária. A geração de “desbravadores” da fronteira agrícola e herdeiros do velho sistema extensivo estão cedendo espaço a uma nova geração de produtores, com formação superior, perfil globalizado e avidez por tecnologia. Nunca a “passagem do bastão” se deu entre personagens tão distintos: de um lado, homens forjados frequentemente no trabalho braçal, com forte relação emocional, quase simbiótica, com a terra; de outro, os famosos millennials, representantes da “geração Y”, nascidos nos anos 80 e início da década de 90, que podem até ter os pés na terra, mas mantêm cabeça e mãos no mundo digital.
Eles estão acelerando o processo de tecnificação da atividade e têm foco empresarial distinto. “Para a geração que está entregando o bastão, o negócio é menos importante do que a atividade em si. Já seus sucessores querem saber de resultados traduzidos em números; eles não têm o ‘romantismo’ e o empirismo dos pais. Isso faz com que estejam sempre buscando alternativas para tornar a pecuária mais rentável”, observa Antônio Chacker, coordenador do Instituto de Métricas Agropecuárias (Inttegra), de Maringá, PR. A reportagem de DBO foi até o Espírito Santo, mais precisamente ao município de Montanha, 330 km ao norte da capital Vitória, para testemunhar essa “onda” de renovação do setor e acompanhar o processo sucessório da NA Agropecuária, cujo patriarca, Nilson Alves (61 anos), está passando as rédeas do negócio para o filho Vitor Alves (32 anos). Nos últimos cinco anos (2014 a 2018), ele conseguiu quase triplicar a produtividade das fazendas, que passou de 12,6 para 36,8 @/ha/ano.
Senso de urgência
Evidentemente, cada etapa do processo sucessório foi marcada pela bagagem emocional de ambos, reflexo da geração à qual pertencem. Vigor e experiência, audácia e contenção ora se complementam, ora são fontes de embate. Falando, sem pudores, sobre as dificuldades enfrentadas ao longo do caminho, Vitor reconhece que pertence a uma geração com senso de urgência. Ele possui, porém, um diferencial a seu favor: a habilidade emocional de se colocar no lugar do outro, entender a insegurança que por vezes acomete o pai, empatia que falta a muitos jovens. “A sucessão é difícil para o sucessor, que tem pressa, mas também para o sucedido, que tem medo de perder tudo o que construiu ao longo de sua vida”, diz.
A empresa NA Agropecuária reúne quatro fazendas, sendo uma de silvicultura e três de pecuária – Esplanada, Chapéu de Couro e Alvorada –, dedicadas à recria/engorda (veja detalhes sobre o sistema de produção à pág. 53). Vitor começou a trabalhar com o pai em 2010, depois de concluir o curso de Veterinária. Como todo jovem recém-saído da universidade, chegou na fazenda a pleno gás. De imediato, se prontificou a solucionar o que julgou ser um problema crônico nas propriedades: a baixa produção anual de arrobas por hectare. “Meu pai tinha como referência o total de cabeças, não o desfrute. Eu pensava que precisávamos abater mais animais por ano, o que exigia mudança no sistema de pastejo”, relata. Para colocar seu plano em prática, Vitor procurou levantar a “área efetivamente empastada” das três fazendas de gado, conceito estranho à pecuária tradicional. Após descontar aguadas, murundus e faixas descobertas, constatou que 3.654 dos 4.200 ha de pastagens das propriedades tinham, de fato, capim disponível para uso. Com essa informação em mãos, ele propôs a redivisão dos piquetes para formação de módulos de pastejo rotacionado. Sugestão aceita, anunciou o passo seguinte: ajustar a taxa de lotação à oferta forrageira disponível, para evitar superpastejo, o que exigia redução do rebanho.
“Vamos quebrar”
A ideia, entretanto, pareceu ousada demais para Seu Nilson. “Desse jeito vamos quebrar”, retrucou. Vitor demorou para convencê-lo da necessidade da medida, provar que não se tratava de um retrocesso. Conforme André Sorio, da Sorio Assessoria Empresarial Rural, de Brasília, DF, é muito comum os sucessores da geração Millenium começarem o processo de transformação das fazendas pela intensificação das pastagens e a redução do déficit forrageiro na estiagem, pois essas medidas constituem “portas” de acesso para outras tecnologias que lhes permitem melhorar a rentabilidade do negócio. “Eles procuram diminuir os custos fixos por meio do aumento da produção, o que implica em buscar alternativas para sustentar o rebanho na seca”, diz o consultor. Depois, obterei mérito pelo desempenho gerencial, no qual acredito”, relembra.
A visão conceitual de Seu Nilson reflete sua história de vida. “Aos 11 anos larguei chorando meu pai, minha mãe, e fui morar de favor na casa de uma família conhecida, para poder ficar mais perto da escola”, conta emocionado. “Mais perto” significava pedalar por duas horas até a cidade de Nova Venécia, ES. Aos 12 anos, ele arrumou seu primeiro emprego, fazendo mudas de café em um viveiro. “Acharam que eu era bom de serviço e me promoveram a plantador de café”, conta. Ali começou seu interesse pelo campo, mas antes de se tornar fazendeiro e plantar sua primeira lavoura de café, foi vendedor de “refresco e picolé” em um bar e dono de farmácia (que comprou do sócio com o dinheiro da venda de um Corcel II, obtido no sorteio de um consórcio). O primeiro pedaço de terra foi adquirido no final dos anos 70. Plantou frutas e, principalmente, café. Ergueu armazém, secou, beneficiou, comprou e vendeu esse grão. Em 2005, partiu para a pecuária tradicional, de baixa tecnologia, porém de menor risco.
Desafio revelador
Esse histórico explica a associação que Seu Nilson fazia entre tecnologia e “quebrar”. Aos poucos, contudo, ele foi cedendo espaço ao filho, mas não sem antes lhe propor um desafio: cada um tocaria uma das propriedades da empresa a seu modo e depois comparariam os resultados para ver quem estava certo. O pai ficou no comando da Fazenda Alvorada, de 670 ha, localizada no município capixaba de Mucurici, e o filho assumiu a Fazenda Chapéu de Couro, que soma 998 ha, em Montanha, também no Espírito Santo. Ambos fizeram recria a pasto, sem adubação, com os mesmos níveis de suplementação, mas Seu Nilson trabalhou com lotações maiores (1,6 UA/ha, nas águas, e 1,4 UA/ha, na seca), enquanto Vitor optou por alojar 1,4 e 1 UA/ha, nos respectivos períodos.
Mesmo alojando mais animais por área, o patriarca perdeu a disputa por produtividade. Produziu 4,2 @/ cabeça/ano, ante 6,4 @/cab/ano obtidas por Vitor, que, ajustando a lotação, favoreceu o desempenho individual. “Não adianta confrontar a geração anterior, temos de mostrar números”, diz o jovem. Vencido – e convencido – Seu Nilson ainda se veria obrigado a retirar alguns animais da Alvorada no auge da seca, cuja pastagem não suportou a lotação programada. “A verdade é que eu estava acostumado a trabalhar, trabalhar e trabalhar, mas não media nada”, reconhece o fazendeiro.
“Lances” mais ousados
A vitória de Vitor no “desafio da lotação” lhe deu os créditos de que precisava para avançar no “tabuleiro” da nova pecuária. Ele propôs ao pai intensificar a recria. A sugestão, dessa vez, foi bem aceita, principalmente porque alinhava-se ao desejo de Seu Nilson de aumentar o rebanho. “Ele continuava achando que somente aumentaríamos a receita com mais gado. Não estava errado, mas, para viabilizar isso, precisávamos produzir mais forragem nas águas e resolver os gargalos da seca” diz. Com destreza, Vitor aproveitou o entusiasmo do pai para inserir a adubação de pastagens na rotina das fazendas. Já haviam sido feitas algumas aplicações, mas de forma esporádica, no feeling (intuição). Ele passou a adubar de modo profissional e a calcular a taxa de lotação pela estimativa de produção forrageira.
As orientações nessa área foram fornecidas pela Prodap Consultoria, de Belo Horizonte, MG, contratada em 2013, a pedido de Vitor. “Eu queria uma visão de fora, para dar segurança e credibilidade às mudanças que eu estava propondo. Queria mostrar, por meio de números, que podíamos produzir e ganhar mais adotando certas tecnologias”, diz ele. Não se tratou, porém, de um processo simples. “Meu pai não gostava de abrir números, compartilhar dados da fazenda”, salienta. A solução encontrada para driblar essa dificuldade foi adotar, em um primeiro momento, apenas ferramentas gerenciais de produção. “Existem horas de avançar e horas de esperar”, sentencia Vitor.
Avanço gradativo
A consultoria ditou o ritmo das novidades. “Fizemos um levantamento do potencial produtivo das fazendas, definimos onde queríamos chegar, com projeção de rebanho tanto nas águas quanto na seca, já visualizando o passo seguinte do projeto de intensificação, que era o confinamento”, relata Artur Pinheiro, coordenador regional da Prodap. “Plano aprovado, começamos a organizar a coleta de dados na fazenda, ajustar manejo das pastagens e o cálculo da lotação com base na altura de entrada e saída dos animais do pasto, dentre outras coisas”, detalha. Conforme a desconfiança inicial do patriarca foi se dissipando, a consultoria avançou até chegar à gestão financeira e orçamentária do negócio. “Expliquei ao Seu Nilson: para crescer a gente vai ter de mensurar. Precisamos fazer o controle das despesas operacionais e saber quais investimentos podem ser realizados, de modo a projetar sua evolução no médio e longo prazos”, conta Pinheiro.
Segundo Chacker, do Inttegra, não existem fórmulas prontas (muito menos mágicas) para o processo sucessório. Cada um tem sua própria dinâmica e é preciso respeitá-la. Alguns fatores, porém, facilitam a transição. “Quando existe um bom relacionamento entre pai e filho, tudo fica mais simples”, explica o consultor. Foi justamente o caso da NA Agropecuária. “Tenho muito orgulho do meu pai. Ele faz parte de uma geração que conquistou tudo no braço, que se preocupou em fazer bem feito”, diz Vitor. Outro aspecto lembrado pelo consultor é a transparência. “É preciso deixar claro para o sucessor quais serão suas atribuições, se ele cuidará do escritório, se ficará responsável pela parte técnica ou comercial, qual será seu salário”. Infelizmente, segundo Chacker, não se vê muito isso nos processos sucessórios. Somente famílias que já assimilaram a “cultura da métrica” costumam atribuir responsabilidades, direitos e deveres aos membros, bem como alinhar expectativas.
Comunicação é tudo
Chacker reforça a importância da comunicação para atrair os futuros sucessores para o negócio. “Se o patriarca, que mal conversava com o filho, de uma hora para outra lhe diz – ‘você tem de me ajudar na fazenda’ –, o jovem pode até aceitar, mas não saberá como começar, pois nunca teve acesso aos números, não sabe quanto ganhará, suas opiniões não contam. Já começa errado”. O consultor André Sorio é da mesma opinião. “Muitas vezes, o sucedido diz querer o sucessor no negócio, mas, na verdade, quer simplesmente uma companhia e não alguém que irá efetivamente participar do negócio. Por isso, ele não dá espaço, interfere, muda decisões”, salienta. Para Sorio, a sucessão é, acima de tudo, uma responsabilidade de quem está no comando. “É o pai quem tem de se esforçar para atrair o interesse do filho; ele consegue isso identificando as habilidades do futuro sucessor para o negócio familiar”, diz.
Na NA Agropecuária, as atribuições foram definidas de acordo com o perfil de cada um. Como tem facilidade com números, Vitor ficou com a gestão. Dona Márcia (a mãe), por ser mais metódica, assumiu o escritório. Seu Nilson, que sempre gostou de comércio, encarregou-se da compra e venda de animais. A delimitação dos campos de atuação evita desgastes. “Às vezes, a gente pensa que tem de trabalhar junto, agarrado, mas não dá. Um começa a dar pitaco na parte do outro e isso gera atritos. É melhor trabalhar lado a lado, cada um com seu direcionamento e metas para comprir”, frisa Vitor. Embora, na teoria, tudo estivesse acertado, na prática, a consultoria, por vezes, teve de assumir papel intermediador. “É comum o patriarca, que vem de uma geração mais centralizadora, interferir em outras áreas, quase sempre com a intenção de ajudar. Nosso papel é aparar as arestas que surgem nesses casos”, diz Arthur Pinheiro, da Prodap.
Os salários de cada um também foram pré-estabelecidos. Vitor definiu seus rendimentos como gestor do negócio, junto com a consultoria, mas, quando chegou a vez do pai, o caldo quase entornou. “Fiquei muito assustado quando o Vitor me disse que eu teria uma retirada (salário). Rapaz, trabalhei tanto nesse mundo para agora virar funcionário? Não aceito esse trem não”, relembra Seu Nilson, lançando um olhar carinhoso para o filho. “Pois foi a melhor coisa coisa que já me aconteceu na vida. É uma tranquilidade. Falo para todo mundo: você tem de medir o que ganha para saber quanto pode gastar. Tudo tem de passar pela planilha. Hoje, sei qual é efetivamente minha receita. E sempre me sobra um dinheirinho, não é meu filho?”, conclui, sorridente.
Desafios da nova geração
Ao pegar o bastão das mãos do patriarca ou da matriarca, a geração Millenium têm diante de si uma série de novos desafios. Para Antônio Chacker, do Inttegra, o primeiro está na atividade em si. “A pecuária nunca demandou tanto conhecimento, tanta gestão e excelência para ser monetizada quanto agora”, salienta ele. O segundo desafio é lidar com as escolhas que as novas tecnologias trouxeram para o campo. “Antigamente, quando se formava a fazenda, as opções de pasto eram a Braquiarinha decumbens e o capim Colonião. Hoje existem dezenas de espécies forrageiras à disposição do produtor”, diz Chacker.
O mesmo se dá no campo da suplementação. “Antes, se usava sal mineral o ano todo e proteico na seca. Agora tem sal proteico aditivado, com concentrações específicas de proteína, de acordo com a categoria animal e a época do ano”, continua o consultor. No âmbito da reprodução, touros ganharam a companhia da IATF (Inseminação Artificial em Tempo Fixo), sem contar os avanços na genética, como por exemplo, a escolha de sêmen de reprodutores com base em DEPs (Diferença Esperada de Progênie), que permite direcionar a produção de acordo com o foco do negócio. “Ter diversas técnicas à disposição contribui para o sistema produtivo, mas exige maior habilidade na tomada de decisão”, diz.
O perfil de mão de obra também mudou bastante. O funcionário da geração baby boomer, que compreende o período pós- -guerra até os anos 70, e da geração “X”, que vai dos anos 70 aos 80, tinha como sonho se aposentar na fazenda. “O funcionário da nova geração não cogita passar o resto da vida na mesma empresa”, explica Chacker. Essa inquietude talvez esteja ligada a novos anseios. “Antigamente, um bom salário segurava a pessoa. Hoje, a boa remuneração continua importante, mas a ela se somam a necessidade de um propósito, um plano de carreira, bonificações, o desejo de se sentir importante na fazenda”.
Agrônomos, veterinários e zootecnistas que trabalham nas fazendas também têm aspirações superiores às dos profissionais da geração precedente. “A conclusão é que o sucessor terá de lidar não apenas com um negócio mais complexo e exigente em gestão, mas também com equipe bem diferente”, salienta Chacker. Para André Sorio, da Sorio Consultoria, os olhos dos jovens produtores também devem se voltar para fora da porteira, pois há novas demandas vindas do mercado (questões ambientais, trabalhistas, sustentabilidade). “Hoje em dia os consumidores têm mais força para fazer as coisas mudarem do que propriamente as ações governamentais. Costumo perguntar para meus clientes se eles trariam os consumidores de carne e leite para conhecer suas propriedades, se teriam orgulho disso. Se a resposta é não, é porque têm alguns pontos que precisam ser melhorados”, avalia.
Projeto visa à autossuficiência
A atividade pecuária não faz parte do “retrato rural típico” do Espírito Santo. O Estado se destaca pelas lavouras, principalmente de café, e culturas frutíferas, como banana e mamão. O fato de o boi ser quase um intruso na paisagem capixaba deve-se não somente aos imigrantes europeus, que privilegiaram as culturas agrícolas, mas também à configuração agrária do Estado, fortemente dominada pelos minifúndios (80%). Quem decide fazer pecuária precisa ser eficiente na produção, pois a concorrência da agricultura mantém-se à espreita em cada divisa de cerca. Os pecuaristas capixabas parecem ver essa proximidade como estímulo. Levantamento feito pela Prodap em 14 Estados, compreendendo 1,3 milhão de hectares e 1,4 milhão de cabeças, coloca o Espírito Santo na segunda posição do ranking de produtividade, com média de 5,08 @/cab/ano, perdendo apenas para o Paraná, que registra 5,7 @/cab/ano.
É nesse contexto que a NA Agropecuária faz pecuária de corte em três de suas quatro fazendas. Juntas, a Esplanada, Chapéu de Couro e Alvorada somam 4.200 hectares, sendo 3.664 ha efetivamente “empastados”, que sustentam rebanho médio anual de 6.050 cabeças. Seu sistema de produção funciona da seguinte forma: os garrotes são adquiridos aos 10 meses, com média de 7 @; passam por recria intensiva, em módulos de rotacionado com suplementação, e, depois, vão para a terminação intensiva a pasto (TIP) ou o confinamento, que tem capacidade instalada para 3.400 bois. Normalmente, chegam ao abate com 18,5@ aos 24-36 meses. Em 2019, a NA Agropecuária pretende confinar 3.150 animais, em dois giros de 90 dias. A área destinada à agricultura, seja para produção de silagem ou de grãos, é de 465 ha e cresce ano a ano. A despeito de perder espaço físico, a pecuária apresenta rentabilidade crescente. Em 2010, sua receita anual foi de 12,6 @/ha; hoje, já está em 36,8 @/ha.
Para alcançar esses números, a NA Agropecuária investiu em intensificação, como mostrou a primeira parte desta reportagem, começando pela montagem de módulos de rotacionado na Fazenda Alvorada, em 2010. A experiência bem-sucedida, que aumentou a produtividade, possibilitou a replicação do modelo, três anos depois, em 450 ha da Esplanada, que foram fracionados em 10 módulos, com oito piquetes cada. Hoje existem 64 desses núcleos de pastejo rotativo nas três propriedades, totalizando 1.932 ha. O passo seguinte, já com a assessoria da Prodap, foi melhorar a fertilidade do solo, trabalho que começou nas fazendas Chapéu de Couro e Alvorada e hoje se concentra somente na Esplanada. A adubação nitrogenada é feita em 350 ha (10% da área total), o que permite uso mais intensivo do pasto, com lotação de 2,5 UA/ha durante as águas e 1,2 UA/ha durante a seca. Nas áreas sem adubação, esse índice cai para 1,4 UA/ha e 0,9 UA/ha, respectivamente.
Nutrição de precisão
Outra tecnologia incorporada ao projeto foi a suplementação, realizada ao longo do ano todo em três níveis. “É uma nutrição de precisão, de acordo com a categoria e a época do ano, que visa complementar as deficiências minerais da pastagem para atingir as metas de ganho de peso estabelecidas”, explica Artur Pinheiro, da Prodap. Os animais de recria que entram no rotacionado recebem suplemento na proporção de 0,1% a 0,3% de seu peso vivo (PV). Se atingirem 480 kg até o final do segundo período das águas em que estão nas fazendas, são terminados a pasto com uma suplementação mais pesada, equivalente a 1% do PV. Os bois que chegam mais leves, pesando ao redor de 390 kg, entre abril e maio, são levados para o confinamento, que a NA Agropecuária construiu em 2015.
Terminar os bois no cocho foi uma estratégia para melhorar o desfrute do rebanho. “O confinamento nos trouxe uma previsibilidade de abate que não tínhamos na engorda a pasto, muito exposta às variações climáticas da região, que prejudicam as pastagens”, explica Vitor Alves. A decisão se mostrou acertada. O Espírito Santo já vinha registrando índices pluviométricos abaixo da média desde 2013 e viveu sua pior seca em 40 anos, em 2015.
Segundo o Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), na maior parte do Estado choveu apenas 400 mm naquele ano e, em algumas localidades, metade desse volume de água se concentrou em apenas 15 dias. Os efeitos da estiagem foram ainda piores em 2016, quando as precipitações, embora superiores, foram insuficientes para amenizar a situação, que se agravou. De acordo com dados do governo, o setor agrícola capixaba acumulou perdas de mais de R$ 3,6 bilhões por conta de quebra na safra 2015-16, especialmente grave na cafeicultura, fruticultura e olericultura.
Em busca de autossuficiência Engordar boi no cocho não é tarefa das mais simples em terras capixabas. Sem a diversidade de subprodutos agrícolas que os confinadores costumam ter à sua disposição em boa parte do País, restam as fontes convencionais de energia para formulação da dieta, como o milho grão. É aí que reside o problema. Além do baixo índice pluviométrico que caracteriza o Estado – ao redor de 1.000 mm/ano, em condições normais – as chuvas são espaçadas ao longo do ano. Isso faz com que os produtores, na maioria das vezes, não se arrisquem a plantar no sequeiro e optem por culturas irrigadas, preferindo aquelas de maior valor agregado. No caso do Espírito Santo, principalmente café, mamão e pimenta do reino. Outro complicador para a lavoura de milho é a temperatura. Na maior parte do ano, faz bastante calor, tanto de dia quanto de noite, o que prejudica o enchimento dos grãos.
Como há poucas variedades de semente adaptadas para a região, os produtores se viram como podem. “A janela de plantio vai de fevereiro a junho, quando o clima está mais ameno. A irrigação é feita à noite, para diminuir a temperatura na lavoura, e é preciso sempre deixar o solo coberto com matéria orgânica, porque a camada superficial é muito arenosa. Se o solo ficar exposto, a umidade se perde rapidamente”, explica Vitor Alves. Com tantas dificuldades, praticamente ninguém se dispõe a cultivar milho no Espírito Santo. “Compramos em Goiás ou no Mato Grosso, a preços altos. A saca de 60 kg chega na fazenda, em média, a R$ 46, o dobro do valor do milho mato-grossense”, diz ele. Não por acaso, o confinamento da NA agropecuária é o único do Estado pertencente a um produtor. Os demais pertencem a donos de frigoríficos.
Integração foi saída
Sem uma fonte alternativa de energia, a NA Agropecuária começou a confinar usando uma dieta composta por bagaço de cana, farelo de soja e milho-grão. O alto custo de produção, no entanto, tornou premente a busca por uma opção mais viável para terminar os animais no cocho. “Precisávamos ser autossuficientes na produção de comida, para não ficar nas mãos de fornecedores, nem à mercê dos preços de mercado”, justifica. A solução foi partir para a agricultura. Em 2017, algumas áreas de pastagem já foram destinadas à produção de silagem de mombaça (40 ha), visando reduzir a dependência da empresa em relação ao bagaço de cana. Hoje, são reservados 180 ha para essa finalidade, colhendo-se 20 t de massa verde/ha. Em seguida, teve início o projeto de integração lavoura-pecuária.
Também em 2017, a NA Agropecuária solicitou autorização junto aos órgãos competentes para construção de uma barragem que permitisse a irrigação da lavoura de milho. O governo do Estado tem incentivado essa prática por meio de programas de financiamento. Quando DBO visitou a propriedade, na segunda quinzena de agosto, o reservatório, com impressionantes 64 ha de espelho d`água (lembra o lago de uma hidrelétrica) e capacidade para armazenar 2,4 bilhões de litros, estava sendo enchido. Para poder trabalhar com equipamento hidráulico de potência menor – portanto, de custo mais baixo –, a água está sendo bombeada para uma “piscina”, com capacidade para 20 milhões de litros, construída na parte alta do terreno. Nesse ponto, foram instaladas as bombas e adutoras que abastecem os seis pivots, adquiridos em 2018. O projeto prevê a instalação de mais quatro aparelhos.
Neste ano, foi produzida, pela primeira vez, a snaplage, silagem de espiga de milho, com grãos e sabugo. A dieta do confinamento, batida na fábrica de ração, instalada na Fazenda Esplanada em 2016, conta ainda com os seguintes ingredientes: farelo de algodão, milho, silagem de mombaça e núcleo mineral com aditivos. Além da silagem de espiga, o cultivo de milho, que ocupa 465 ha, dos quais 285 ha irrigados, destina-se à produção de grão seco, em sua maior parte destinada à comercialização. Apenas uma pequena parcela está sendo direcionada ao abastecimento do confinamento, onde entra como ingrediente da dieta de adaptação.
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